A Água que queria ser Fogo


""Já estou cansada de ser fria e de correr rio abaixo. Dizem que sou necessária... mas eu preferia ser formosa! E acender entusiasmos... e fazer arder o coração dos apaixonados... e ser vermelha e quente! Dizem que eu purifico o que toco, mas mais força purificadora tem o fogo! Quem me dera ser fogo e chama!"
Assim pensava em Setembro a água dum rio de montanha. E, como queria ser fogo, decidiu escrever uma carta a Deus, para pedir que mudasse a sua identidade.
"Querido Deus: Fizeste-me água, mas quero dizer-te com todo o respeito que me cansei de ser transparente. Prefiro a cor vermelha para mim! Desejaria ser fogo. Pode ser? Tu mesmo, Senhor, te identificaste com a sarça ardente e disseste que tinhas vindo trazer o fogo à terra. Não me recordo de nunca te teres comparado com a água. Por isso, creio que compreenderás o meu desejo. Não é um simples capricho! Necessito desta mudança para a minha realização pessoal..."
A água saía todas as manhãs até à margem, para ver se chegava a resposta de Deus. Uma tarde, passou uma lancha muito branca e deixou cair na água um envelope muito vermelho.
A água abriu-o e leu: "Querida filha: apresso-me a responder à tua carta. Parece que te cansaste de ser água. Lamento-o muito porque não és uma água qualquer! A tua avó foi a que me baptizou no Jordão, e eu tinha-te destinado para caíres sobre a cabeça de muitas crianças! Tu preparas o caminho do fogo! O meu Espírito não desce sobre ninguém que não tenha sido lavado por ti! A água sempre é primeiro do que o fogo..."
Enquanto a água estava embebida a ler a carta, Deus desceu a seu lado e contemplou-a em silêncio. A água olhou-se a si mesma e viu o rosto de Deus reflectido nela. E Deus continuava a sorrir esperando uma resposta.
A água compreendeu que o privilégio de reflectir o rosto de Deus só o tem a água límpida... Suspirou e disse: "Sim, Senhor, continuarei a ser água! Continuarei a ser o teu espelho! Obrigada!""

(Autora: M. Dolores Torres)

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